Emancipação de Alagoas: a separação de Pernambuco a construção de uma identidade alagoana
Neste domingo, 16, a emancipação de
Alagoas completa 195 anos. O desmembramento do território alagoano da capitânia
de Pernambuco aconteceu num período em que o movimento contra a coroa
Portuguesa se fortalecia em algumas regiões do país. Apesar de encontrar adeptos
em Alagoas, a insurreição contra a monarquia foi "abafada" na
Comarca, o que levou historiadores, a exemplo de Francisco Augusto Pereira da
Costa, a defenderem a tese de que a emancipação foi concedida em recompensa por
Alagoas não ter aderido ao movimento republicado, mantendo-se fiel à Portugal.
Seis décadas depois, Alagoas acabou
tendo uma participação destacada na construção da República Brasileira. O
proclamador do novo regime, Foi justamente o alagoano, Marechal Deodoro da
Fonseca, e o primeiro presidente do Brasil, outro alagoano, Floriano Peixoto.
Desta forma, é preciso refletir qual o lugar de Alagoas na história do Brasil?
Por que, com uma cultura tão rica, ainda estamos construindo uma identidade
alagoana? E por que esse Estado tão promissor, declamado no hino como a
"estrela radiosa", ainda hoje concentra índices tão negativos em
termos de desenvolvimento social?
Para nos ajudar a pensar sobre os
questionamentos que cercam essa importante data histórica, buscamos a ajuda do
historiador Antonio Filipe Pereira Caetano, professor Adjunto do departamento
de História da Ufal e coordenador do Grupo de Estudos América Colonial. Confira
a seguir as reflexões do historiador sobre a Emancipação Política de Alagoas.
Em que contexto se deu a emancipação política de Alagoas? Essa "liberdade" foi mesmo um prêmio da coroa porque Alagoas resistiu aos levantes contra a dominação portuguesa?
Filipe - A emancipação política de
Alagoas insere-se nos episódios conectados a Insurreição Pernambucana, em 1817.
Movimento este que "conspirava" contra o governo português e chegou a
instaurar um governo provisório na sede da Capitania (Recife). Influenciada
pelos ideais resgatados da Conjuração Baiana e Inconfidência Mineira, os
"pernambucanos" sentiam-se preteridos pelas mudanças impostas pela
família real portuguesa que muito mais beneficiava o Rio de Janeiro (sede da
corte) do que as outras capitanias. Visto por alguns historiadores com cunho
liberal, o movimento tentou se espalhar pelas demais localidades da Capitania,
inclusive a Comarca das Alagoas. Com adesão em parte do território Alagoano, o
movimento pernambucano foi sufocado com a intervenção do Ouvidor Batalha, que
criava um governo provisório desmembrando o território de Alagoas de
Pernambuco. A medida de Batalha foi contemplada com a chancela de D. João VI,
em 16 de Setembro de 1817, emancipando de vez o território alagoano de
Pernambuco.
Em meu entendimento, a liberdade como
"prêmio" desmerece o lugar estratégico que o território alagoano
ocupava no imaginário político e de poder da administração portuguesa. Isto
porque, acredito no profundo conhecimento da coroa portuguesa do território alagoano
e de suas diferenças (políticas, econômicas e sociais) em relação à sede da
Capitania. Principalmente, se levarmos em consideração que o pedido de
desmembrando não era uma novidade nos bastidores portugueses, já citado e
incentivado, inclusive, por membros do Conselho Ultramarino.
Quais as consequências desta
emancipação para o nosso desenvolvimento social e político?
Filipe - A Emancipação inaugura um
novo território administrativo no cenário colonial. Enquanto ligado à Portugal
(até 1822), a emancipação trazia uma aliado político nas lutas complicadas de
manutenção do governo português na América, situação que estava cada vez mais
complicada de se manter. Após a independência brasileira, em 1822, a Província
das Alagoas é uma das poucas localidades que reconhece a soberania de D. Pedro
I de maneira rápida e imediata. Todavia, acredito que 1817 representa a
consolidação de uma "identidade" alagoana, construída ao longo de
quase um século a partir da criação da Comarca (1712), possibilitando a demarcação
das diferenças culturais e sociais entre Alagoas e Pernambuco.
O que é importante hoje refletir
quando pensamos na História de Alagoas?
Filipe - Acredito que a principal
reflexão que deve ser feita é: o que é o território alagoano no cenário nacional
e de que forma o processo histórico de sua formação contribuiu ou contribui
para a manutenção ou alteração dessa imagem?
Sem dúvida, historicamente, o passado
alagoano é marcado pelos engenhos de açúcar, pelas lutas dos quilombos, pelos
massacres dos caetés e pelos comportamentos "traíras" de Calabar e da
"elite alagoana" em 1817. Imagens e histórias contadas e (re)contadas
por curiosos, historiadores e livros didáticos. Mas, por outro lado, a questão
mais interessante é: até que ponto o passado alagoano se ressume a isso? Ou
seja, de que forma Alagoas contribui para a formação cultural nacional? Como o
território alicerçou forças políticas brasílicas? Qual o lugar da produção
econômica alagoana na tessitura nacional?
E falando de hoje, que herança é essa
que nos leva a concentrar os piores indicadores sociais e de violência do país?
Filipe - Acho cruel pensar no passado
escravista, monocultor e latifundiário como o único responsável pela mazelas
sociais e índices de violência no país e no território alagoano. Sem dúvida
alguma, estes são elementos que criaram uma base, um sistema e um mecanismo de
controle difícil de se romper. Mas, ao mesmo tempo, o presente com suas
contingências e vicissitudes e modelos preestabelecidos demonstram claramente a
quem interessa a manutenção da pobreza, do aceleramento das desigualdades
sociais e da incidência de atos de violências em áreas específicas do
território nacional e local. Só assim para explicar como países que tiveram
"heranças" tão similares a nossa possuem, na atualidade, índices
baixos de violência e um grande desenvolvimento social. Logo, a raiz de muitas
mazelas sociais alagoanas remetem a 1817 não pelo passado colonial mas sim
pelos agentes políticos que direcionaram a economia, fundaram ideologias,
moldaram comportamentos sociais e restringiram o acesso a
"emancipação" de camadas "menores" da população.
Professor, pode ficar à vontade para
refletir sobre outras questões que os alagoanos precisam conhecer sobre a
história e precisam refletir nos dias atuais...
Filipe - O mais importante ao se
refletir sobre a história de Alagoas, em meu entendimento, é privilegiar o que
há de particular, específico e peculiar no território alagoano e sua interface
com o regional (Pernambuco/Nordeste), nacional e, até mesmo, internacional.
Pensar a História de Alagoas aprisionada a Pernambuco não ajuda a compreender a
formação de um povo, de uma Comarca, de um Província ou de um Estado da
Federação. Questões como a história das irmandades religiosas, da própria
escravidão em Alagoas (estudo deveras atrasado em comparação com outros
Estados), de suas atividades econômicas e sua inserção no cenário nacional, dos
conflitos sociais para além dos quilombos, da constituição dos grupos
populares, da formação da cultura local e, o mais importante, da identidade
alagoana ainda estão esperando curiosos, pesquisadores e historiadores para
serem feitos.
Bibliografia Recomendada:
CAETANO, Antonio Filipe Pereira
(Org.). Alagoas e o Império Colonial Português: Ensaios sobre Poder e
Administração. Maceió: Cepal, 2010.
LINDOSO, Dirceu. Interpretação da
Província. Maceió: Maceió/São Paulo: Catavento, 2000.
SANT’ANA, Moacir Medeiros de (org.)
Documentos para a história da independência. Recife: Comissão executiva dos
festejos do sesquicentenário da Independência do Brasil/IHGAL, 1972.
Texto disponível na internet: Em defesa da
honra: A emancipação de Alagoas no imaginário institucional
Postado por Lenilda Luna às 10:50
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