O Ciclo do Algodão e as Vilas Operárias dos historiadores Douglas Apratto Tenório e Golbery Luiz Lessa
Apesar de ter sua presença no panorama histórico da economia
alagoana relegada a um plano inferior, a cultura do algodão protagonizou um
período particularmente importante para o desenvolvimento da região ao
possibilitar o início de um expressivo surto de industrialização no estado.
Momento histórico marcado em sua etapa inicial pela consolidação de um intenso
processo de transição do ambiente social, em meio ao surgimento das fábricas de
fiação e tecelagem e suas vilas operárias, a atividade industrial em Alagoas
chegou ao seu ápice entre os anos 1930 e 1950.
Nesse meio tempo, o estado não apenas experimentou o
gostinho do progresso, mas viu surgir no espaço fabril uma série de
transformações importantes que tornou possível a quebra de tabus seculares.
Entre os quais, o início de um lento, porém significativo processo de
emancipação da mulher em função da expressiva atuação feminina no universo
têxtil e o desenvolvimento de uma consciência política entre a classe operária,
constituíram avanços que dificilmente encontrariam terreno fértil no ambiente
da atividade canavieira.
Para desfazer alguns equívocos históricos e reconstituir a
origem e o desenrolar de todo esse processo de transição econômica, política e
cultural vivida pela sociedade alagoana na virada do século 19 até a primeira
metade do século 20, os historiadores Douglas Apratto e Golbery Lessa se
debruçaram sobre o tema, cuja pesquisa resultou no livro O Ciclo do Algodão e
as Vilas Operárias, título da Edufal que chega para ajudar a preencher uma
lacuna, em meio a obscena escassez bibliográfica sobre o assunto.
“No século 19, plantou-se, em média, tantos hectares de
algodão quantos hectares de cana-de-açúcar em Alagoas. Entre 1933 e 1954,
período de crise da indústria açucareira e de apogeu da indústria têxtil, a
quantidade de hectares de algodão era muito maior do que a quantidade de
hectares de cana”, explica o pesquisador Golbery Lessa a nossa reportagem.
“Naquele momento histórico, os dois setores produziam o mesmo montante em
termos de valor econômico, as fábricas têxteis empregavam o dobro de operários
e gastavam, em decorrência, o dobro em salários. Os salários eram maiores e as
leis trabalhistas eram muito mais respeitadas numa fábrica têxtil do que numa
usina. Em média, uma fábrica de tecidos valia duas usinas de açúcar. A
indústria de fiação e tecelagem não foi, portanto, um apêndice, algo menor e
episódico, foi uma alternativa de desenvolvimento efetiva e mais progressista
do que a indústria canavieira”, argumenta ele.
“O momento histórico no qual a indústria têxtil conviveu com
a indústria açucareira continha uma das mais importantes bifurcações da
história alagoana”, afirma Golbery. “Tratava-se de uma luta entre duas vias bem
diferentes de desenvolvimento. A vitória da via açucareira, a partir dos anos
1960, fez com que os usineiros ficassem desobrigados de partilhar o poder
político com outros setores empresariais. A máquina pública passou a priorizar,
exclusivamente, as condições gerais de acumulação do setor açucareiro, em
detrimento da própria complexificação do capitalismo, com impactos negativos
para toda população.”
Em entrevista concedida à Gazeta, os historiadores falam
sobre o livro – cujo lançamento está programado para a próxima quinta-feira,
dia 12, às 19h, na Associação Comercial de Maceió –, e esclarecem tópicos
importantes relativos a esse tema pouco lembrado, mas que porém nos ajuda a
entender a realidade atual. É o que você lê a seguir.
Gazeta. O livro O Ciclo do Algodão e as Vilas Operárias se
propõe a promover um resgate da memória do período áureo das indústrias têxteis
em Alagoas. Qual a razão do interesse dos autores pelo tema? Quais foram as
maiores motivações para o trabalho?
Douglas Apratto. Desde cedo aprendi que o estudo da história
é mais que um exercício de ociosidade. Ele tem usos mais benéficos, pode
proporcionar uma memória, por exemplo. Amplia os horizontes intelectuais e
convoca testemunhas do passado para educar e construir as novas gerações. Vivi
minha infância e juventude em uma cidade do interior, São Miguel dos Campos,
que tinha duas usinas, Caeté e Sinimbu e duas indústrias têxteis, Vera Cruz e
Sebastião Ferreira. Conheci de perto o mundo canavieiro e o mundo fabril. Os
dois espaços eram bem distintos. O fabril, mais dinâmico, participativo, popular,
vibrante. Sempre me intrigou o esquecimento do segundo, em contraposição ao
fastígio, permanência e preeminência do mundo açucareiro. Não se pode calar a
História.
Golbery Lessa. Evidentemente, o historiador estuda o passado
em busca de respostas para as suas inquietações relativas ao presente. A
paralisia da complexificação do capitalismo alagoano a partir dos anos 1960 foi
e ainda é a principal marca da formação social na qual nasci, cresci e decidi
permanecer. Como todo alagoano crítico sabe, o papel do setor canavieiro na
miséria estadual contemporânea é o grande enigma a ser desvendado. Percebi que
mesmo as abordagens críticas da história do universo açucareiro tendiam a
fortalecer o fetichismo que o encobre, pois revigoravam indiretamente a tese de
que a produção de açúcar seria uma espécie de entidade metafísica a dominar
toda a história de Alagoas. Sem perceber, a esquerda tende a exagerar o poder
do latifúndio canavieiro e construir uma apologia indireta dele. Ora, se as
usinas são tão absolutamente poderosas, ao ponto de possuírem quase os
atributos de Deus (podem tudo, sabem tudo e estão em tudo), elas não serão
vencidas por nenhuma força humana e, portanto, a história de Alagoas está
fechada, não tem devir. O meu ensaio no livro é uma tentativa de escapar dessa
armadilha, é a busca de superar a crítica que termina, contraditoriamente, em
apologia. Em essência, procuro denunciar as fragilidades econômicas, morais e
políticas do setor canavieiro comparando-o com o setor têxtil.
Comentários
Postar um comentário